// segunda-feira, novembro 05, 2007
Do Fundo da Gaveta
ou
Por que não coloco data nas coisas?
Olhando pela janela, vejo uma rua vazia; calma e silenciosa. Gosto dela assim, mas não é desse jeito que a vejo todo dia. E as lembranças que tenho dela alternam entre a repugnância e a alegria.
Meio-dia. Rua cheia. Vans escolares, estudantes lerdos. Um ou outro casal se beija encostado no muro. Por todo lugar um irritante hino de igreja me perseguindo. E um cheiro de coisa podre que nunca consigo identificar.
A caminhada até o ônibus. Passos rápidos, pra conseguir um lugar na sombra. Irritação ao entrar no ônibus. Os mesmos estudantes idiotas de sempre. Por que não morrem, por quê?! Cansaço. Fome. Sono. Ainda bem que já vou chegar em casa. Ainda bem.
Quatro horas da tarde. Caminhamos de mãos dadas. Risadinhas, palavras tímidas. Ansiedade. Expectativa. Beijos. E a tranqüilidade, finalmente. O surgimento de um novo mundo, onde não existem pessoas irritantes, cansaço ou desespero; apenas paixão; e medo. Um medo abstrato, indefinido. Mas muito bom de sentir.
Despedida. Uma pequena melancolia. Mais uma semana de espera e saudade. Carinho. Beijos longos. Abraços. Uma sensação boa, tão boa que faz esquecer que naquela rua transitam estudantes lerdos, soam hinos de igreja e exalam cheiros desagradáveis.
Me afasto da janela supirando. Sei que um dia sentirei saudade. Era só uma rua; agora é um amontoado de emoções.
Resisti à tentação de passar a limpo e transcrevi sem alterações meu rascunho para a proposta "Procure pelo pátio algo que te irrite e escreva sobre".
Lembro de estar no primeiro ano, mais magra que hoje, perdidamente apaixonada e sempre com meu já característico complexo de superioridade. Só me sentia confortável durante a Oficina de Produção Textual, onde fui elogiada pelo meu "jeito ácido de escrever".
A Oficina acabou, a paixão morreu, engordei, tenho tentado controlar minha arrogância, minha escrita melhorou, e sequer lembro sobre qual rua escrevi.
Consigo tranqüilamente pisotear meu amontoado de emoções, possivelmente passe por ele todo dia. Ainda não descobri se sou insensível ou apenas não tenho boa memória. Talvez uma coisa leve à outra.
Publicado por Laís Medeiros em 17:27
--------------------